Foto: Ricardo Stuckert
Belém e a “COP da Verdade”
A COP30 começou nesta segunda-feira em Belém, e não há nome mais simbólico para sua sede do que o coração da Amazônia. O governo brasileiro batizou o evento de “COP da Verdade”. O título carrega um peso que vai além da retórica diplomática: trata-se de um teste de coerência entre discurso e ação, tanto do Brasil quanto do mundo. Afinal, dez anos se passaram desde a assinatura do Acordo de Paris — e o planeta continua marchando em direção ao colapso climático, empurrado por interesses econômicos e pela lentidão política global.
O contexto não poderia ser mais tenso. Pela primeira vez, o Brasil sedia uma conferência do clima, e isso ocorre num cenário internacional fragmentado. Após retornar ao Acordo de Paris sob Joe Biden, os Estados Unidos se retiram novamente das negociações com a volta de Donald Trump à Casa Branca, em mais um gesto de negação climática que mostra o isolacionismo norte-americano. Enquanto isso, a União Europeia tenta manter viva a chama do multilateralismo, mesmo diante de crises energéticas e da ascensão da extrema direita em diversos países. A ausência dos EUA em Belém, portanto, não é apenas um fato diplomático — é um alerta político: a luta pelo clima também é uma disputa pelo modelo de civilização que queremos sustentar.
Dentro desse tabuleiro, o Brasil ocupa uma posição central. Lula chega à COP30 como um presidente que tenta conciliar o pragmatismo da governabilidade com o idealismo histórico do movimento climático e social. O governo apresenta resultados expressivos: redução do desmatamento na Amazônia, queda nas emissões e retomada do protagonismo diplomático. Mas a contradição se impõe quando o Ibama autoriza a Petrobras a pesquisar petróleo na foz do Amazonas — uma ferida aberta que expõe o quanto a transição energética ainda tropeça na dependência dos combustíveis fósseis. É a tal “verdade inconveniente” que o próprio Lula reconheceu em seu discurso de abertura: mudar é inadiável, mas exige escolhas difíceis.
A COP30 marca um ponto de virada, especialmente porque o Acordo de Paris completa uma década. A meta de limitar o aquecimento a 1,5°C já foi ultrapassada. O que está em jogo agora é a capacidade de adaptação e financiamento das políticas climáticas, principalmente nos países do Sul Global. A promessa feita na COP26, em Glasgow — de dobrar os fundos para adaptação até 2025 — venceu, e nada garante que será cumprida. A desigualdade climática é cristalina: enquanto o Norte industrializado cobra “compromisso” dos países em desenvolvimento, continua gastando trilhões em subsídios para combustíveis fósseis e militarização. Não há justiça ambiental sem justiça econômica, e esse talvez seja o tema mais incômodo para as potências reunidas em Belém.
O Brasil, presidindo a conferência com o embaixador André Corrêa do Lago, tenta equilibrar diplomacia e pressão política. Do ponto de vista simbólico, a escolha de Belém tem potência: é a Amazônia falando ao mundo em seu próprio território. De lá saem os discursos sobre o “financiamento justo”, as “transições inclusivas” e a “integração entre clima e justiça social”. Mas o desafio é transformar essas expressões em práticas concretas. O próprio desenho da conferência, com seus “círculos de liderança” — de ministros de finanças, de povos originários, de presidentes e de avaliação ética — soa como uma tentativa de construir pontes entre mundos que raramente se entendem.
A verdade da COP30 talvez seja essa: mais do que novas metas, precisamos de coragem política. O planeta não carece de diagnósticos nem de relatórios técnicos — falta vontade de enfrentar as estruturas que sustentam a crise, sejam elas energéticas, financeiras ou ideológicas. E é aí que o Brasil pode, de fato, liderar. A Amazônia não é apenas um bioma; é um projeto de futuro. O país que mantém metade das florestas tropicais do mundo tem o dever — e a oportunidade — de propor uma nova lógica de desenvolvimento, onde o bem-estar social e o equilíbrio ecológico não sejam opostos, mas partes do mesmo caminho.
Belém é hoje o epicentro de uma disputa que ultrapassa a geografia: é sobre verdade, sim, mas também sobre poder. Ou decidimos, como sociedade global, transformar o clima em prioridade e justiça em regra, ou seremos obrigados a fazê-lo sob o peso da catástrofe. A COP da Verdade não pode terminar em mais uma sequência de discursos inspirados e promessas vazias. Que ela marque, enfim, o início de um realinhamento moral — político e civilizatório — em torno da vida.







